quarta-feira, 19 de junho de 2013

Arrependimento

O arrependimento mata. Tipo de morte invisível que começa lá fora e termina aqui dentro, ceifando qualquer possibilidade de reação e retorno a tempos outrora vistos e vividos. Nada conforta. Nada conforma. É um gole de desamor com saudade e desesperança cristalizada num copo de tristeza. Engole esse líquido com aquele comprimido forte de insatisfação que desce arranhando a garganta.

Tem quem comemore suas lembranças, tem quem lamente. Arrependimento mata. Tipo de morte invisível...

Notícias de uma guerra particular - relatos brasileiros

Matéria veiculada pela Jornalista Eliane Brum, da revista época.



A seguir, você lerá o relato de Enilda Rodrigues da Silva - cearense, pobre e trabalhadora, conhecida por comprar caixão para seus filhos vivos, apesar disso, ela não é a única a viver nessa situação. Vale a pena acompanhar!

“Mataram meu filho em 11 de dezembro de 2005. Ele tinha 20 anos. Ao meio-dia, ele tinha feito um assalto para comprar droga. O tiro pegou na camisa dele, deixou um buraco. À noite, saiu para cheirar loló no trilho do trem. A polícia viu meu filho e atirou. Uma das balas pegou no pescoço. Eu estava em casa, senti na hora. Disse para o meu outro filho: ‘Ele morreu’. Senti uma coisa da cabeça aos pés. Uma dor tão grande que não sei explicar. Uma dor de doer. É uma dor no peito que vai fechando. A gente quer falar e não fala mais. Desmaiei na calçada e não vi mais nada.

Quando esse menino chegou, um dia, com um tiro no peito, sangrando em cima da bicicleta, comecei a pagar o caixão dele. Vejo muita mãe aqui onde moro tendo de pedir esmola pra comprar o caixão. Eu não queria isso pro meu menino. Quando ele foi assassinado, fazia quase cinco anos que eu pagava. Mas estava com duas prestações atrasadas. O pai dele tinha ganhado o décimo-terceiro na padaria, porque era perto do Natal. A gente estava guardando para aumentar a casa, que não cabe todo mundo na hora de dormir. Mas quando meu filho foi morto, peguei esse dinheirinho e mandei pagar o carnê atrasado logo cedo.

Agora, estou pagando o caixão do meu outro filho, de 19 anos. Ele está no tráfico. Ele diz: ‘Mãe, eu não vou ser que nem o meu irmão, que morreu de graça’. Mas sei que ele vai morrer. A pedra [crack] está matando os meninos novos tudinho. É terrível comprar caixão para filho vivo, mas meus meninos vão morrer honestamente.

Tive sete filhos, agora só tem quatro vivos. Crio também uma menina que botaram na minha porta com sete dias de vida. Dois morreram de doença quando eram pequenos e esse morreu de morte matada. Desses que morreram de doença, eu não sinto falta. Acho que porque eram pequenos. O que morreu de morte matada dói o dia todo.

Esse meu menino que morreu foi bom até os 12 anos. Ele era vendedor de coco. Era pequeno e tinha mão com calo de tanto trabalhar. Vendia coco numa carrocinha que o pai deu pra ele. De um dia pro outro, virou a cabeça. Começou a usar toda a droga que há no mundo. A gente segura até os 11, 12 anos. Bota pra dentro de casa no fim da tarde e só abre no dia seguinte. Mas quando crescem, não segura mais. Eles vão pra rua e o que encontram? Não tem nada, lazer, trabalho, coisa nenhuma. Tem o tráfico.

Na primeira vez que ele chegou com os olhos apertados, cheirei a boca do meu menino. Senti na hora o bafo da maconha misturado com loló. O pai bateu nele. Na segunda, eu mesma bati. Não adiantou nada. Nem conversa, nem conselho. Ele não ouvia a gente. Então soube que o fim dele era a morte. Nunca aceitei nada dele aqui em casa. Nenhuma arrumação. Aceitava quando era dinheiro suado, que ganhava vendendo coco. Depois, não. Porque se aceitasse, ele ia querer trazer toda vida. Um dia encontrei a droga aqui e dei descarga nela. Sempre abri a porta para a polícia, nunca acobertei. Mas não agüentava mais ver a polícia batendo nele na minha frente, ele ficava com a cara toda arrebentada. Meu filho tinha até hérnia nos testículos de tanto levar chute. Esse menino tinha 20 anos e passou mais tempo preso do que solto.

A polícia me trata mal. Diz que sou mãe de vagabundo. Mas eles não sabem como a vida é na verdade. Eu e meu marido somos casados há 28 anos. Ele acorda às 3h da manhã para fazer pão na padaria. Ganha R$ 70, às vezes R$ 80 num mês. Quando meus filhos eram pequenos, eles diziam que queriam ser padeiro como o pai. Mas depois que cresceram, não quiseram mais saber disso, não. Eles riem da profissão de padeiro. Eu lavo duas trouxas de roupa por semana, cada uma com mais de 70 peças. Lavo, engomo, passo. Tudo na mão. Me pagam R$ 25 reais por trouxa. Queria ter mais para lavar, mas ainda não consegui mais freguesas.

A gente trabalha pra dar de comer aos nossos filhos, nunca faltou comida a eles. Mas eles querem roupa de marca. Eu tento comprar, uma vez pra cada um. Tem uma mulher que vende aqui na porta e a gente paga por semana. Quando acabo de pagar a roupa de um, começo a pagar a do outro, até chegar no último e começar tudo de novo.

Toda a minha família dorme num quarto só, mesmo o menino que já tem mulher. Somos oito num quarto só, sem janelas. Depois tem mais uma pecinha e a cozinha. Por isso eu queria aumentar a casa. Porque a gente só cabe um por cima do outro. Bota uma rede em cima da outra. E um ventilador, pra agüentar um pouco o calor. Todo ano aqui tem enchente. Alaga tudo, fica a marca da água no meio da parede. Eu pego os meninos e a gente vai dormir lá fora até a água baixar. Botamos um colchão lá onde eu lavo roupa. Quando a água baixa, a gente volta. Ficamos todos doentes, porque fica cheio de ratos. O pouquinho de móveis que a gente tem apodrece.

Queria salvar os meus filhos que ainda não morreram, mas não sei como. Digo que o irmão morto é o espelho deles, que nessa vida de tráfico vão morrer de uma hora pra outra. Digo também que quem entrar para o crime eu entrego, porque não protejo sem-vergonhice. Mas eles não escutam. Saem de casa e dizem que voltam quando eu ficar mais calma. Não bebo, não fumo. Meu vício só é novela. Vejo todas. Boto as crianças pra dentro e vejo da primeira à última novela, em todos os canais. Aí durmo. De noite eu acordo. Ouço o meu filho me chamando na porta. ‘Mãeeee’, ele diz. Eu me levanto, vou até a porta, abro e ele não está lá. Meu marido fica bravo, diz que um dia vão me matar quando eu abrir a porta. Mas ouço meu filho me chamando, e não consigo não abrir. Só que ele nunca está lá. Não tem ninguém lá. Então fico chorando atrás da porta”.


Crisântemo - relatos brasileiros



Na sequência da música "Crisântemo", do rapper Emicida, o relato de uma mulher sobre perda, morte e saudade. 

"Era dia de Cosme, madrugada
Chovia lá fora
De repente alguém chama
"Jacira, sou eu, Luiz"
Pressenti, Miguel morreu
O que mais poderia ser?
Além do mais, meu coração já estava apertado
Prevendo desgraça
Na festa do terreiro, a certa hora, o erê subiu
E quem desceu foi seu sultão da mata
Me chamou e disse
"Pegue os meninos e vá pra casa -
Disse: "Prepare o coração e seja forte, vá? "
Levantei, abri a porta e a desgraça se confirmou
Uma briga, o tombo
O seu Zé do doce socorreu
Seu Zé é a representação do estado no Jardim Fontális
Talvez ainda até hoje

Notícia pra dar, vaquinha pra enterrar,
Domingo
Justo eu, que me criei sem pai
Perder o pai já é uma tragédia
Perdê-lo na infância é sentir saudade
Não do que viveu, mas do que poderia ter vivido
O enterro, a volta
O olhar do menino marejando, pensando longe
Sem entender
E o meu coração apertado, sem conseguir explicar
O tempo foi encaixando tudo
Os pertences dele sempre no mesmo lugar
O velho chinelo abandonado respondem
"Ele não vai voltar"
Os dias são escuros mesmo com sol quente
O silêncio de Miguelzinho cala
Cada vez mais fundo no peito da gente
Quando o pai morre
A gente perde a mãe também
Eu já sabia o que era isso
Como pode alguém morrer no mesmo dia que nasceu?"

terça-feira, 18 de junho de 2013

O tempo



Sou o tempo que passa, que passa
Sem princípio, sem fim, sem medida
Vou levando a Ventura e a Desgraça,
Vou levando as vaidades da Vida

A correr, de segundo em segundo
Vou formando os minutos que correm...
Formo as horas que passam no mundo,
Formo os anos que nascem e morrem.

Ninguém pode evitar os meus danos...
Vou correndo sereno e constante:
Desse modo, de cem em cem anos,
Formo um século e passo adiante.

Trabalhai, porque a vida é pequena
E não há para o tempo demora!
Não gasteis os minutos sem pena!
Não façais pouco caso das horas!

Olavo Bilac

Poder de percepção



A impunidade e a covardia alteraram nosso poder de percepção. Fizemos valer as regras da física, estamos reagindo e isso está causando pânico em muita gente. Quinta-feira é dia de jogo, é dia de Maracanã. Espanha e Taiti, a ordem é: se o ônibus espanhol não voar, ele não chega no estádio. NÃO VAI TER XAVI E INIESTA quinta-feira.

São Paulo e Rio de Janeiro são a linha de frente desse protesto nacional. Protesto plural, descentralizado e sem foco comum. É pelos mortos nas filas dos hospitais, pelas sardinhas prensadas nos ônibus, pelas pessoas expulsas de suas casas por um 'bem' chamado Copa do Mundo. É por todos. Queremos mais do que temos, pois não temos um terço do que merecemos.

Hora da cobrança. Vamos mostrar para eles que a conta é alta. Não condeno os extremistas, entendo aquela revolta, que jamais poderá ser considerada exagerada. Começamos como mil e nos tornamos milhões. Pelas ocupações em São Paulo, pelas reintegrações de posse em Goiás, pelos índios, pelos negros, pelos pobres e até pela elite que precisa de sossego. Pela Educação. Pela paz. Nosso movimento é a descoberta de que o governo tem força, mas só o povo tem poder.

Boa noite.
Abracem a missão!

Fermento no bolo

 
É o movimento tomando proporções inimagináveis. A juventude não acordou, ela sempre lutou, mas com as armas erradas. Uma manifestação assim só vimos no impeachment de Fernando Collor, é o que dizem os jornais brasileiros e até os estrangeiros. Somos notícia! É gratificante ver meus amigos trocando as novelas pelo Globo NEWS, ou quem não tem tevê a cabo, torcendo por boletins da Globo e da Record. Eu avisei para não tocar em jornalista. Assim foi com Tim Lopes e a repórter do jornal O Dia anos atrás. A opinião pública mudou de lado, apesar de todo o financiamento do governo. 

A gente não quer só comida. Cansamos de sobreviver. Vamos juntos. A rua é a maior arquibancada do Brasil. A noite tem mais...

Aguardem.


Abracem a missão!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Marcha dos Cem Mil II



Respeito e dignidade. É o que pedia e agora exige essa gente que tem nome e sobrenome. Vivemos nossas vidas à margem das políticas públicas e esquecidos pela minoria que a maioria delega poder. Até quando? Essa foi a pergunta que sempre me fiz. Muitos sabem do meu histórico contestador e duro e que sempre cobrei postura das pessoas e principalmente dos governantes. Olha só os cinco atos dessa grande peça! 100 mil pessoas foram às ruas hoje, muitas tem seus carros e casas próprias, mas resolveram representar aquele oprimido que se atocha em uma lata de sardinha e que tem na porta da sua casa um carimbo de SMH (Secretaria Municipal de Habitação), que sinaliza que em breve a casa será demolida, no pesadelo das remoções - o plano que Lacerda começou e Paes enquadrou nos moldes da 'Lei'.

O silêncio gritou nessa tarde/noite de segunda-feira. O empregado sentou à mesa para jantar. O Choque e a PM podem dispersar 2 mil, mas 100 mil, amigo, 100 mil eles escoltam e torcem para dar tudo certo. Não sejamos espelhos da Turquia. Sejamos Brasil. Brasileiros. Por 'ordem e progresso' na acepção da palavra. Éramos vários por muitos caminhos, agora somos um numa só direção, provou-se que a UNIÃO não faz apenas açúcar. Somos jovens, idosos, crianças, adultos, negros, brancos, pardos, ricos, pobres e estamos sedentos por justiça.

"Quando o rebanho se une o Leão vai dormir com fome"
Provérbio Africano.